Diesel menos poluente do que gasolina
Ora aqui está uma realidade que é difícil de aceitar pelos que não gostam dos motores a gasóleo. Comparando exclusivamente motores modernos, com os diesel já equipados com filtro de partículas, catalisadores de duas vias e SCR (Selective Catalytic Reduction) com injecção de AdBlue, e os gasolina a deitarem mão a catalisadores de três vias e filtros de partículas (se possuírem turbocompressor), os motores diesel não perdem nas emissões poluentes ou de CO2 para os seus rivais dos combustíveis fósseis. Antes pelo contrário.
Os filtros de partículas capturam, quer nos diesel quer nos gasolina, cerca de 95% dos fumos negros e as suas partículas cancerígenas. Nos automóveis a gasolina, são os catalisadores de três vias que tratam os hidrocarbonetos (HC), monóxido de carbono (CO) e os óxidos de azoto (NOx), enquanto os diesel garantem o mesmo desempenho com recurso ao catalisador de duas vias e ao SCR (específico para converter 95% dos NOx em azoto e água). Ou seja, os diesel são tão pouco poluentes quanto os motores a gasolina. Sucede que, os motores a gasóleo, porque consomem uma menor quantidade de combustível, que contém carbono, emitem menos CO2, gás que não sendo um poluente provoca o efeito estufa, o que nos dias que correm é igualmente nefasto, conferindo aqui uma vantagem para as unidades a gasóleo.
Vão surgir incentivos para comprar carros a gasóleo
Os construtores determinam com uma década de antecedência, e por vezes mais, o tipo de motores que vão montar nos seus veículos, muitas vezes ainda antes de estes estarem desenhados, quanto mais produzidos. E adaptam o seu aparelho produtivo àquilo que pensam ser as necessidades do mercado a longo prazo, fabricando uma determinada quantidade por dia de motores a gasolina e outros tantos a gasóleo. Ora sucede que, deste 2017, o excesso de procura por motores a gasolina surpreendeu muitos dos fabricantes, que continuam a lutar para se adaptar às necessidades do mercado, que consome cada vez mais motorizações deste tipo, especialmente nos segmentos A (citadinos), B (utilitários) e até C (familiares compactos), onde o peso da gasolina é crescente, mas ainda não maioritário.
A falta de motores a gasolina, por um lado, e o excesso de unidades a gasóleo, por outro, deverá continuar a levar certos fabricantes a desenvolver campanhas comerciais para convencer os condutores indecisos a optar pelo diesel, em detrimento da gasolina. Segundo Ricardo Tomaz, director de Marketing Estratégico e Relações Externas da SIVA, “já existiram diversas ocasiões em que a VW teve falta de motores a gasolina, como foi noticiado por exemplo no caso da Autoeuropa, onde é produzido o T-Roc, o que levou a um esforço para incrementar a compra de veículos a gasóleo”. Este responsável recorda que “o nosso não foi um caso único, pois muitos outros construtores sofreram do mesmo mal”.
Quando banirem os diesel, os gasolina vão atrás
Como o ministro ‘atacou’ os automóveis com motor diesel, e não a gasolina, é possível deduzir que pense que os segundos vão sobreviver aos primeiros. Dificilmente acontecerá. Os motores a gasolina não são menos poluentes, como já vimos, pelo que o que faz sentido é eliminar da circulação os modelos mais antigos (de uns e de outros) e, logo, menos amigos do ambiente. Mas com a certeza de, quando uns forem impedidos de circular, os outros seguir-lhe-ão as pisadas.
As directrizes europeias apontam para a descarbonização contínua do sector dos transportes, de mãos dadas com a produção de energia eléctrica exclusivamente através de fontes renováveis, o que condena a prazo (mas nunca antes de 2040 a 2050) todos os motores que queimam combustíveis derivados do petróleo. Mas isto não é daqui a quatro ou cinco anos, é antes daqui a 21 ou 31 anos.
Os motores diesel não têm hipótese?
Não necessariamente. Há esforços bastante avançados para produzir gasolina e gasóleo neutros em carbono. Essencialmente, são combustíveis sintéticos que contêm carbono, como os de origem fóssil, mas em que esse carbono é capturado da atmosfera, aonde regressa depois de ser queimado pelos motores convencionais. Isto significa que as emissões de CO2 destes motores são rigorosamente zero (caso seja utilizada energia eléctrica de fontes renováveis), ou seja, muito inferiores até aos dos veículos eléctricos, se considerarmos todo o ciclo do “poço à roda”, uma vez que a produção de baterias levanta alguns problemas específicos neste capítulo.
Mas mesmo com esta evolução, o aproveitamento de energia é muito inferior num motor a combustão – também denominado térmico –, que nas melhores unidades ronda os 30% a 40% (o resto apenas produz calor), enquanto nos motores eléctricos é fácil aproveitar 95% da energia para mover o veículo. Quer isto dizer que, a prazo, os motores a combustão vão desaparecer, só que não nos próximos quatro ou cinco anos.
Os veículos eléctricos são alternativa?
Ainda não, pelo menos para a maioria dos condutores. Mas os veículos eléctricos a bateria prometem ser, em breve, uma solução sustentável de mobilidade – e antes do que muitos dos seus detractores pensam ou gostariam. Hoje, a oferta de modelos eléctricos alimentados por bateria – os que recorrem a células de hidrogénio estão ainda a uns anos de se poderem assumir como opção – é escassa e ainda relativamente cara. Um Nissan Leaf, o mais vendido entre nós, custa no mínimo 34 mil euros, com o Renault Zoe, o segundo mais popular, a exigir 32.000€.
Mas vêm aí mais concorrentes e o Volkswagen I.D. Neo (princípio de 2020) vai revolucionar a oferta, propondo mais potência e autonomia por 29.000€. Igualmente importante vai ser a chegada do novo Zoe, ainda este ano, por um valor substancialmente inferior ao actual, num movimento que vai trazer cada vez modelos mais pequenos e mais baratos, única solução para massificar a venda deste tipo de veículos. Sendo que as baterias não param de melhorar, incrementando a autonomia e reduzindo o preço, facilitando a competitividade deste tipo de modelos. Contudo, é bom recordar que João Pedro Matos Fernandes foi esta semana de Lisboa a Coimbra num dos Nissan Leaf do ministério e, apesar da viagem rondar os 200 km, que se percorrem num carro normal em menos de duas horas, o ministro teve de parar a meio para recarregar a bateria, o que diz tudo em matéria de versatilidade.
Há de momento outra limitação relacionada com a falta de oferta, pois se 20% do mercado português (cerca de 46.000 unidades) fossem automóveis eléctricos a bateria, dificilmente haveria possibilidade de satisfazer a procura. E tão pouco haveria local onde os recarregar. A oferta de eléctricos vai continuar a evoluir lentamente (em 2018 atingiu 1.8% e se duplicasse todos os anos seria uma meta interessante), ao mesmo ritmo que os postos de carga se vão igualmente multiplicando e incrementando a sua potência. Mas há uma garantia: em 2030, os automóveis eléctricos vão ter de representar cerca de 30% das vendas para a maioria dos construtores, pois esta é a única forma de evitarem multas pesadas caso falhem a média de emissões de CO2, que nessa altura deverá rondar 60g/km, depois dos 95g que são obrigados a respeitar em 2020.
Se 30% das vendas corresponde a muitos carros eléctricos, significa igualmente que 70% das vendas serão relativas a veículos com motores a gasolina ou diesel, o que significa que os motores a gasóleo que o ministro quer ‘matar’ rapidamente têm mais uns anos de vida pela frente. Mais de duas dezenas, pelo menos.
Retirado de observador