Afonso Cabido (Renault), Teresa Lameiras (SEAT) e Ricardo Amaral (Toyota)
No ano passado, o sector automóvel português manteve os sinais de recuperação, mas foi alavancado pelo rent-a-car e pela “loucura dos descontos”. Será que em 2016 as marcas vão ter que tirar o pé das promoções? O tema deu o mote ao 3.º pequeno-almoço da Marketeer com responsáveis de Comunicação do sector
Daniel Almeida (texto)/ Fotos Paulo Alexandrino (fotos)
O mercado automóvel português teve em 2015 o seu terceiro ano de recuperação consecutivo. Ao longo do ano, foram vendidos 213.645 automóveis – a uma média de 489 veículos por dia -, o que representa um crescimento de 24% em relação ao ano anterior, de acordo com os dados divulgados pela Associação Automóvel de Portugal (ACAP). Boas notícias para um sector que foi gravemente afectado pela crise financeira, com as vendas a baterem mínimos históricos nos anos recentes.
Os números até poderiam ter sido mais animadores, se não tivesse havido uma desaceleração do crescimento do mercado no último trimestre de 2015. Se na primeira metade do ano, o segmento dos veículos ligeiros de passageiros – o mais importante, tendo representado 83,5% das vendas globais – cresceu a um ritmo acima de 30% em relação ao mesmo período do ano anterior, nos últimos três meses do ano registou-se uma desaceleração, para um crescimento homólogo na ordem dos 16%, 13% e 10%, respectivamente.
A situação actual do mercado automóvel português foi um dos temas em debate no terceiro pequeno-almoço da Marketeer com responsáveis de Comunicação do sector, que decorreu no hotel The Vintage House, em Lisboa. Uma conversa a três, que juntou Afonso Cabido (Renault), Teresa Lameiras (SEAT) e Ricardo Amaral (Toyota), e onde, para além dos raios X ao mercado, houve tempo para debater algumas previsões para este ano.
Instabilidade política travou mercado
De acordo com os participantes no pequeno-almoço debate, o principal factor que terá colocado um travão ao crescimento do mercado automóvel na recta final de 2015 foi a instabilidade política. “O ano de 2015 teve um crescimento em linha com aquilo que prevíamos, mas teve um final estranho pela questão das eleições e da instabilidade política. Os últimos três meses do ano demarcaram-se negativamente, houve uma turbulência clara e o consumo retraiu-se, o que demostrou, de certa forma, a fragilidade da economia portuguesa. O consumidor ainda está um pouco apreensivo e não está totalmente consciente de que a situação está controlada”, defendem os responsáveis. “A mentalidade dos portugueses não é suficientemente robusta para passar este tipo de turbulências sem se notar no consumo”, reiteram.
Ainda de acordo com os participantes, o mercado de rent-a-car continuou a ser uma alavanca importante para o crescimento do mercado, ou não representasse em Portugal, e de uma forma genérica, entre 20 e 30% das receitas das marcas automóveis. Contudo, este é mercado ainda muito dependente do factor sazonalidade, com os picos de vendas a coincidirem com as alturas de maior fulgor do turismo, como a Páscoa ou o Verão.
Outra tendência que ganhou força no ano passado foi o renting automóvel para clientes privados, um factor alavancado pelo facto de cada vez mais marcas automóveis terem soluções próprias de financiamento, mas também (e sobretudo) pela mudança de mentalidade na sociedade portuguesa. Se há uns anos seria «quase impensável» para os consumidores portugueses recorrerem ao renting ou ao aluguer de longa duração (ALD) de veículos automóveis, porque o sentimento de posse era valorizado e o automóvel visto como um símbolo de estatuto, hoje este sentimento está mais esbatido. Há um choque entre as gerações de 40-50 anos, para quem o sentimento de posse continua a ser relevante, e os millennials, que têm outras prioridades, tais como gadgets tecnológicos ou viagens. “O target mais jovem tem mais este desapego, o que também está também relacionado com a situação económica. Tal como não compram casa, mas arrendam, se calhar não estão tão dispostas a dar uma entrada, mas querem pagar uma utilização”, sublinham os intervenientes.
Tirar o pé dos descontos
O que também não faltou no sector automóvel em 2015 foram promoções, descontos e campanhas com preços atractivos e condições especiais de financiamento. De resto, esta tem sido uma prática transversal às marcas automóveis nos últimos anos, tendo-se inclusivo cometido «algumas loucuras». “Aquilo que aconteceu durante a crise foi salvar a pele. Houve situações em que se teve que fazer tudo o possível para salvar a pele, e felizmente a maior parte das marcas conseguiu manter-se à tona da água”, consideram os responsáveis.
Com a retoma do mercado nos últimos anos, e com as vendas a aproximarem-se dos “níveis padrões para o mercado português”, isto é, em torno das 250 mil unidades comercializadas por ano, esta é uma tendência que poderá ser atenuada em 2016. Quer isto dizer que este ano podemos assistir a práticas comerciais menos agressivas do ponto de vista do desconto, e mais focadas na rentabilidade. “A tendência das marcas em 2016 é continuar a fazer promoções e campanhas, mas vai existir um ligeiro reajuste nos descontos que são dados, porque em termos de rentabilidade as marcas são muito afectadas. Consegue-se aguentar um ou dois anos, mas não mais do que isso”, apregoam.
Os responsáveis prevêm ainda que o mercado automóvel português continue a crescer em 2016, embora a um ritmo mais tímido em relação ao que aconteceu no ano passado.
Eléctricos ainda vão ter de esperar
Apesar de não estar no seu período de maior fulgor de vendas, o mercado automóvel tem conhecido, nos últimos anos, uma janela inédita de inovações, a começar pelo crescimento da oferta de veículos híbridos e eléctricos. Obrigadas a cumprir as metas comunitárias respeitantes às emissões de dióxido de carbono, as marcas automóveis, no geral, têm investido valores significativos no desenvolvimento de modelos “verdes”. Independentemente das estratégias seguidas, seja com um maior foco nos eléctricos ou nos híbridos plug-in, na funcionalidade ou no design, este continua, no entanto, a ser um segmento de futuro, do ponto de vista das vendas. «2016 não será seguramente o “boom” dos veículos eléctricos», vaticinam os responsáveis.
De acordo com os mesmos, a evolução do mercado dos eléctricos em Portugal em 2016 é ainda uma incógnita, pois vai depender da manutenção ou não dos incentivos fiscais no próximo Orçamento de Estado. Para além disso, «a descida do preço do petróleo não será uma alavanca para os automóveis eléctricos», consideram.
O que irá certamente continuar a crescer este ano é a conectividade, que hoje, no mercado português, já podemos encontrar em automóveis do segmento A! «Hoje, ninguém vive sem um smartphone, e o automóvel é um prolongamento da vida das pessoas, que têm expectativa que no seu ambiente, neste caso no automóvel, possam usufruir de tudo aquilo que necessitam para o seu dia-a-dia», defendem os participantes no debate.
Quanto à condução autónoma – uma inovação que tem sido liderada pelas marcas automóveis, mas também por gigantes tecnológicas como a Google – é ainda um solução de futuro, mas que deverá estabelecer-se nos próximos 10 anos. Neste momento, mesmo nos modelos mais avançados ainda há muitas limitações – apenas fazem auto-estradas, têm muito “blind spots”, pois não conseguem detectar pessoas nem animais. «Em 2025, o mercado automóvel vai mudar completamente, bem como a forma como vendemos automóveis. Hoje, vendemos emoções, velocidade, binário, performance, prazer de condução… isso vai em parte desaparecer», concluem.
Retirado de automonitor