Não me vou alongar sobre os novos motores, mas vou pegar na deixa e falar um pouco sobre a epopeia associada ao primeiro motor turbo da fórmula 1 que surgiu em 1977 pelas mãos da Renault.
![Turbocharged-Engines](https://marceloxoliveira.wordpress.com/wp-content/uploads/2015/01/turbocharged-engines.jpg?w=660)
A fórmula 1 recomeçou este ano com novas regras, pondo fim a um período de oito anos em que imperou uma arquitectura de motores atmosféricos de 8 cilindros em V com uma cilindrada de 2,4 litros. Desde o primeiro Grande Prémio do ano que os fórmulas 1 estão obrigados a montar um motor sobrealimentado por turbocompressor com uma cilindrada máxima de 1,6 litros, a que estão associados sistemas de recuperação de energia que aumentam drasticamente a eficiência, reutilizando a energia dissipada nos gases de escape e nos travões. Não me vou alongar mais sobre os novos motores, mas vou pegar na deixa e falar um pouco sobre a epopeia associada ao primeiro motor turbo da fórmula 1 que surgiu em 1977 pelas mãos da Renault.
A história começou dois anos antes, quando o construtor francês, associado à petrolífera Elf, encomendou à sua associada Renault-Gordini, dois motores turbo de 1,5 litros de cilindrada para ensaios. Estávamos em Fevereiro de 1975 e, nove meses depois, mais exactamente a 18 de Novembro, esse motor, baptizado de “33T”, rodava pela primeira vez em pista, no circuito de Paul Ricard, montado num protótipo Alpine-Renault. A Renault, entretanto, reorganizava os serviços de competição, nomeando para seu director o piloto Gerard Larrousse e deslocando o departamento de fórmula 1 para Viry-Chatillon, sede das oficinas desse mago dos motores que foi Amédée Gordini, dando origem, pouco depois, à Renault Sport.
A 23 de Março de 1976, um pouco secretamente, um protótipo laboratório de fórmula 1 roda em Clermont-Ferrand na pista de ensaios da Michelin já com uma versão mais evoluída do V6 Turbo e, no final do ano, a equipa Renault-Elf decide oficializar a existência desse protótipo laboratório, apresentando-o publicamente com a designação de “RS 01” para o chassis (RS de Renault Sport) e de Renault Gordini V6 1500 Turbo para o motor. Só a 10 de Maio de 1977, em plenos Campos Elíseos, no mítico Pub Renault, a equipa Renault Elf faz a apresentação à imprensa da versão final do RS 01. Tive o previlégio de ter estado nessa apresentação, depois de uma viagem atribulada nos dias precedentes, que conto rapidamente. Dois dias antes dessa apresentação, a 8 de Maio, disputou-se em Jarama a sexta prova do Mundial de fórmula 1: o Grande Prémio de Espanha.
Por razões diversas, nomeadamente porque os resultados da prova levaram mais tempo a sair que o habitual e porque apanhei um engarrafamento brutal a sair de Madrid, levei imenso tempo até à fronteira do Caia e quando lá cheguei a fronteira tinha fechado uns minutos antes e não houve nada que convencesse os guardas a reabri-la, nem invocando uma viagem de avião daí a algumas horas. Resultado: arranjar um hotel em Badajoz, o mais perto possível da fronteira e uma noite em branco a escrever a reportagem da prova. Mas, às 7 horas da manhã, era o primeiro carro na abertura da fronteira. Seguiu-se uma viagem vertiginosa até Lisboa, pois às 11 horas tinha o avião para Paris e havia que passar por casa para trocar de mala e deixar o texto e os rolos do Grande Prémio.
Já em Paris, nessa tarde, consegui ser integrado num pequeno grupo de jornalistas que visitou o departamento de fórmula 1 da Renault, em Viry-Chatillon, vendo tudo o que havia para ver, excepto…o novo fórmula 1 e o seu motor, que seriam apresentados na manhã seguinte. As reacções à decisão da Renault de enveredar pela solução “1500 turbo”, prevista no regulamento, quando todos os outros construtores utilizavam o clássico “3 litros atmosférico”, foram as mais diversas, mas, salvo raras excepções, todas convergiam num ponto: a hipotética falta de competitividade de um pequeno motor sobrealimentado.
E os primeiros tempos pareciam dar razão aos mais cépticos. A estreia oficial deu-se a 16 de Julho em Silverstone, no decurso do G.P da Grã-Bretanha. Jean-Pierre Jabouille não foi além do 21º lugar na grelha de partida, depois de múltiplos problemas mecânicos e, na corrida, desistiu à 17ª volta com o turbo partido. No resto da temporada mais três desistências, culminando numa não qualificação no último Grande Prémio do ano, no Canadá. O humor dos mais cépticos, em particular das equipas inglesas, levou-os a apelidarem o “RS 01” de “Yellow Teapot”, devido às suas fumegantes desistências. A temporada seguinte foi um tudo nada melhor: em 14 corridas, terminou 4, obtendo os primeiros pontos nos Estados Unidos com um muito festejado quarto lugar.
Pode dizer-se que 1979 foi o ano de viragem para a equipa Renault-Elf. Já com dois carros e dois pilotos (Jabouille e Arnoux) o “RS 01” obteve 6 “pole positions”, 2 voltas mais rápidas e 4 classificações, entre as quais a tão esperada vitória em Dijon-Prénois, no decurso do G.P. de França, a 1 de Julho. A equipa francesa dominou o fim de semana, com a obtenção dos dois primeiros lugares na grelha, a vitória incontestável de Jabouille e só não obteve a “dobradinha”, porque Gilles Villeneuve, num Ferrari, “roubou” o segundo lugar a Arnoux, depois de uma batalha épica com o francês.
A epopeia do motor turbo durou até 1986, dividida em duas fases. A primeira, sob a égide da equipa Renault-Elf, prolongou-se até 1983, durante a qual obteve 15 vitórias, sendo 9 para Alain Prost, 4 para René Arnoux e 2 para Jean-Pierre Jabouille. Nesse ano, a administração da Régie Renault decidiu pôr fim à aventura da fórmula 1, mas não ao motor 1500 turbo, continuando o seu desenvolvimento e fornecendo-o à Lotus por mais duas temporadas, durante as quais foram obtidas mais 5 vitórias, a principal delas em 1985, no Estoril, com a fabulosa e inesquecível corrida de Ayrton Senna à chuva.
Opinião de José Vieira, publicada em turbosapo